Não é fácil desfazer o que já está mal acabado, criar o incriado parece mais difícil que tudo, como desfazer o casamento entre este e o nada do qual nossa noção de existência é filha, cargas genéticas divididas, inclinações por livre arbítrio, abstrações por natureza?
Noção vaga do que é vazio, pensamento cheio do que não conheço, só a busca pela quietude e a inconstância são constantes; é chegada a hora de compreender que há muito a desaprender, formatar a alma, ter a suprema coragem de escolher o ser ao invés de ter a existência como um presente do acaso, e mais, torná-la suprema também, transformá-la em alegria eterna e orgulho da criação, como se saltássemos do nada que somos para a Unidade com o Único, o Ser existente…
Assim há um ato de amor, Deus compartilha tudo conosco e, nós, partilhamos o nada com Ele, e o casamento é refeito em ciclos que não têm fim, de eternidade em eternidade, escondidas por entre os instantes da alma.
Mas como percebi isto? É possível que o nada tenha o dom da autopercepção? Ou será que eu existo? Existir é o pré-requisito? Mas para quê exatamente? E o não-ser será uma força potencial a partir da qual tudo pode ser? Ou é a nulidade absoluta de todas as possibilidades? Será que o Absoluto absorve em si mesmo o vazio total? Terão fim minhas perguntas?
Sim, já não há perguntas, só a sensação de que existo um pouco, e um pouco a cada dia, e de que inexiste um pouco de mim a cada instante; então, que eu não seja, que ser seja dom apenas do Ser; então, para que eu exista de fato, que seja ao menos sua semelhança, que me funda a Ele e sinta o que é ser de verdade; além do criado e do incriado, além das perguntas e das respostas; um vetor crescente apontando para o infinito tendo como origem o próprio destino.
18/01/2004
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